Tomate, alface, rúcula e brócolis são alguns dos alimentos cultivados por dona Neura em sua chácara.
Não se desenvolvem da forma correta, entretanto, sob as chuvas praticamente diárias entre os meses de outubro e março no município de Paranaíta, região norte de Mato Grosso, na Amazônia.
Para contornar queda de produção e assegurar a renda, a agricultura familiar pode fazer uso de estufas cobertas durante o período chuvoso, natural do bioma.
Nesta semana, vinte famílias de organizações comunitárias de municípios da região receberam kits com materiais para montagem das estruturas de estufas para cultivo de hortaliças.
Algumas, como a de Neura da Silva, foram vítimas de uma pulverização aérea de agrotóxicos em abril deste ano e a nova tecnologia irá apoiar na recuperação dos cultivos agrícolas.
“A estufa era algo que ninguém tinha condições de comprar. No tempo da seca, a estufa protege do sol forte também. Então ajuda nos dois períodos, mas principalmente no chuvoso”, diz agricultora.
O coordenador do Programa de Negócios Sociais, Eduardo Darvin, afirma que a alta umidade do período chuvoso danifica as folhas de plantas ciclo curto, como as hortaliças, e aumenta a incidência de doenças nos vegetais.
Além disso, afirma o especialista, o ambiente controlado proporcionado pela estrutura facilita no processo de transição para produção orgânica.
“Faz diminuir a necessidade da aplicação de produtos fitossanitários e mantém os nutrientes no solo de forma mais eficaz”, comenta.
A remessa integra o total de 85 estufas entregues pelo Redes Socioprodutivas, projeto implementado pelo Instituto Centro de Vida (ICV) desde 2018 com financiamento do Fundo Amazônia/BNDES.
A iniciativa apoia organizações comunitárias da agricultura familiar de municípios da região norte e noroeste do estado, área sob intensa pressão de desmatamento.
O ICV também divulgou uma animação tutorial para construção das estufas voltada aos agricultores.
“Ajuda para gente conseguir ficar na nossa terra e fazer o que a gente gosta de fazer, não precisar trabalhar pra fora”, afirma Neura.
RECUPERAÇÃO
Tirar o sustento da própria terra foi um sonho impactado pelo advento da pandemia, que agravou a situação de vulnerabilidade econômica da agricultura familiar na região.
Na comunidade Vila Rural Boa Esperança, onde Neura mora, a crise sanitária se somou aos efeitos de uma pulverização de agrotóxicos que atingiu a comunidade.
Algumas famílias, muitas em transição para o orgânico, chegaram a perder todos os cultivos agrícolas da propriedade.
Os agricultores da comunidade vendem pela Cooperativa de Hortifrutigranjeiros (Coopervila), que suspendeu, à época, a venda dos produtos provenientes das áreas atingidas pela contaminação.
O prejuízo foi amenizado pelo apoio prestado pelo grupo. É o que conta Sullivan da Silva, presidente da organização.
“O cooperativismo é isso: estar presente na hora boa, mas na hora que precisa também, é para se ajudar, se apoiar. Isso fez muita diferença nesse apoio para voltar a produzir”, diz.
As alfaces murchas e amareladas semeadas meses atrás por Cláudia, esposa de Sullivan, hoje cedem lugar às vistosas folhas de tipos como americana, crespa, e outras espécies, como couve-flor.
Na comunidade, seis famílias foram beneficiadas com os kits para construção de estufas.
“Para termos constância e qualidade, é necessário um sistema coberto para os plantios”, constata Sullivan.
Antes do ocorrido em abril, os agricultores também inauguraram novas ferramentas de comercialização com o objetivo de manter a renda, afetada pela queda nas vendas aos mercados institucionais.
Iniciaram a venda de cestas de hortifrutigranjeiros pelas redes sociais, principalmente pelo WhatsApp.
“Precisávamos fazer algo”, comenta Sullivan. “Foi algo iniciado na pandemia, mas que dificilmente vamos parar.”
Os benefícios dos novos canais extrapolam os limites da pequena comunidade rural, ressalta o agricultor.
“As pessoas começaram a conhecer a gente mais, sabem que essa renda fica dentro do município, incentivando a economia local”, diz.
Eduardo Darvin avalia que a comercialização centralizada pela organização é um dos fatores que beneficiam a cooperativa, mas agricultores individuais ainda enfrentam dificuldades grandes para manutenção da renda e qualidade de vida.
“Moram perto da cidade, são muitos agricultores e conseguem manter escala”, exemplifica.
A Coopervila também é uma das organizações apoiadas pelo Rota Local, iniciativa do ICV que apoia na logística e comercialização dos produtos da agricultura familiar em Alta Floresta, maior município da região.
A distância de centros urbanos, as dificuldades de logística, comunicação e a competição de mercado com produtos vindos de fora do estado são alguns dos entraves para aumento da renda e qualidade de vida das famílias da área rural na Amazônia Mato-grossense.
“Vamos nos adequando e buscando melhores preços e condições de vida pro agricultor”, finaliza Sullivan.
Nilson James MT Esporte