Condenado por abuso de autoridade a indenizar em R$ 15 mil um funcionário de uma companhia aérea, o delegado da Polícia Judiciária Civil de Mato Grosso, Bráulio Cunha Junqueira, não conseguiu reverter a sentença de 1ª instância junto ao Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT). Em decisão unânime, os integrantes da 3ª Câmara de Direito Privado não conheceram um recurso de apelação cível interposto pela defesa do delegado.
O acórdão foi confeccionado com base no voto do relator, o desembargador Dirceu dos Santos. Na época do fato, em 31 de julho de 2013, o delegado tentava embarcar portando uma arma de fogo num voo da empresa Passaredo no município de Sinop, mas sem cumprir protocolos de segurança determinados pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e pela Polícia Federal (PF).
Como ele não tinha o documento que autorizava o embarque com a arma, foi impedido de embarcar na aeronave e, por vingança, se valendo do cargo de delegado, acionou uma equipe da Polícia Civil, obrigou o trabalhador a acompanhá-los à delegacia e no trajeto fez várias ameaças e tortura psicológica. A sentença condenatória foi proferida no dia 3 de dezembro de 2019 pelo juiz Walter Tomaz da Costa, da 1ª Vara Cível de Sinop.
Ele determinou que o valor de R$ 15 mil a ser pago a título de danos morais, seja corrigido monetariamente e com juros de mora. Ao delegado também foi determinado o pagamento das custas e despesas processuais, assim como honorários advocatícios da contraparte, fixados em 10% do valor da indenização. O autor do processo pleiteou uma indenização de R$ 50 mil.
No recurso interposto junto ao Tribunal de Justiça, o delegado alegou não existir constrangimento que resulte em ato ilícito. Ele alegou que os fatos narrados na inicial do processo “não ultrapassam às raias do mero dissabor”.
Com isso, pediu que o recurso fosse acolhido para julgar a ação improcedente ou então que o fosse reduzido o valor de R$ 15 mil. Vale lembrar que o delegado, conforme mostra o portal transparência do Governo do Estado, recebe mensalmente um salário de R$ 36,9 mil.
Em seu voto, o relator Dirceu dos Santos citou trechos da sentença condenatória e afirmou não restar dúvidas de que ficou configurado o dano moral diante das condutas e das palavras empregadas pelo delegado no trato da questão com o funcionário da empresa aérea, maltrantado desproporcionalmente em circunstâncias que evidenciam exercício regular de seu direito e abusivas atitudes e palavras do membro da PJC. “Salientou que o fato gerou transtornos, aflição, vergonha e desequilíbrio do bem-estar do requerente, os quais fugiram à normalidade e se constituíram como agressão à dignidade dele. Nas circunstâncias, arbitrária a atitude do requerido, violados restaram os direitos da personalidade do requerente, aviltado em seu patrimônio moral”, escreveu o relator do recurso.
Conforme o desembargador, no recurso Bráulio Junqueira, discorre vagamente sobre os mesmos fundamentos já inseridos na peça de defesa, “de forma que, inegavelmente, não enfrenta especificamente os fundamentos apreciados na sentença (extensão dos fatos, circunstâncias legais para a negativa de embarque com arma de fogo, procedimentos adotados pelo ANAC e pelo funcionário da empresa aérea, uso excessivo de prerrogativa funcional, autorização da Polícia Federal, depoimentos de testemunhas e etc.) como determina o art. 1.010 do Código de Processo Civil”. Dessa forma, o desembargador entendeu que a sentença de 1ª instância deve ser mantida inalterada.
“Em conclusão, o emprego de tese recursal que não ataca a fundamentação da sentença suprime a norma processual inserta no art. 1.010 do CPC e importa em não conhecimento do recurso. Com tais considerações, ante a ausência de dialeticidade, não conheço do recurso interposto”, votou o relator sendo acompanhado pelos demais julgadores na sessão do dia 8 de setembro deste ano.
O CASO
Conforme o autor relatou no processo, no dia 31 de julho de 2013, o réu no processo, Bráulio Junqueira, aproveitou-se do seu cargo de delegado e agiu com abuso de autoridade com ele, empregado da empresa aérea Passaredo, depois que impediu o delegado de embarcar num voo em Sinop portando uma arma de fogo, vedada pelas normas de segurança. No dia dos fatos, o delegado se apresentou para o check-in da Passaredo às 13h12, informando estar armado e sem a documentação respectiva para embarcar armado no voo, que no caso, é uma autorização expedida pelo departamento de Polícia Federal.
O funcionário explicou ao delegado que de acordo com a Instrução da Aviação Civil (IAC) 107 1005 emitida pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), em conjunto com a Polícia Federal, o passageiro que viajar armado deverá comparecer ao check-in com duas horas de antecedência, munido da autorização expedida pelo DPF, para que o procedimento seja seguido e o passageiro embarque.
Ao ser questionado sobre a documentação, o delegado afirmou que não a possuía o documento que era obrigatório para portar a arma de fogo no voo. A partir de então, “o requerido alterou-se, gritou que não tinha e que não iria despachar a arma. Diante de sua negativa e como havia colocado que não haveria outra maneira de atendê-lo, foi lhe informado que não teria como embarcá-lo”.
Ainda conforme a narrativa descrita no processo, o delegado “começou a fazer escândalo no balcão, a todo o momento falava palavrões para o requerente e os demais colaboradores, destratando-os, enquanto tentavam atender os outros clientes. Ficou no balcão de atendimento atrapalhando o atendimento das outras pessoas, enquanto reclamava querendo o reembolso do bilhete”.
O delegado então acionou uma viatura descaracterizada da Polícia Civil que chegou ao aeroporto com três policiais civis. Bráulio Junqueira dirigiu-se ao funcionário da empresa aérea e “disse que era para acompanha-lo por bem ou mal”. O trabalhador foi levado para a delegacia sem seu consentimento em pleno horário de seu expediente. “No trajeto teria sido impedido de fazer qualquer ligação, tendo o requerido lhe tomado o celular. O requerido estava muito nervoso, ofendo-o com xingamentos diversos. Além de dizer que o requerente deveria tomar uma surra para aprender a respeitar a autoridade. Foram 20 minutos de tortura psicológica”, descreve o processo.
Conforme o relato do autor do processo, na delegacia enquanto ele prestava depoimento à escrivão, o delegado intervinha e efetuava expressões para que o funcionário da companhia aérea mantivesse o que havia dito. Bráulio queria que o homem mudasse o seu depoimento.
“Somente depois de 45 minutos de incomunicabilidade o requerente conseguiu atender uma ligação. Era o seu superior informando-lhe que um advogado estava a caminho para acompanhá-lo, sendo que esta alternativa não lhe foi oferecida antes. O requerido continuou a esbravejar pelos corredores. Por essa razão e em vista dos ânimos alterados, o advogado achou melhor naquele momento não confeccionar um boletim por abuso de autoridade”.
Por fim, o funcionário ressaltou que apenas realizava seu trabalho e cumpria regras de segurança da aviação civil e jamais imaginou que em virtude do cumprimento de seu dever seria “agredido de forma tão covarde, uma vez que o requerido se utilizou de um recurso, que é para a defesa dos cidadãos de bem, em benefício próprio”. Por isso ajuizou a ação de indenização pelos danos que sofreu e pleiteou R$ 50 mil.
WELINGTON SABINO DO FOLHAMAX