Um projeto liderado por mulheres, chamado ‘SOS Filhas do Pantanal e do Cerrado’, levou alimentos, água e equipamentos para populações indígenas, quilombolas e ribeirinhas em Mato Grosso. O trabalho é realizado pela WWF Brasil em parceria com o Instituto Centro de Vida (ICV).
“Somos fortes, como as raízes do Cerrado, e cheios de vigor, como as árvores e as águas pantaneiras”. Esse é o chamado de Estevão Bororo Taukane, da etnia Bororo, para que seu povo renove a esperança e reconstrua o que o fogo destruiu em setembro de 2020.
A aldeia Córrego Grande, onde ele vive, é a maior das quatro aldeias da Terra Indígena Tereza Cristina, a pouco mais de 300 quilômetros de Cuiabá e a 120 quilômetros de Rondonópolis, e foi a que mais sofreu com os incêndios que atingiram Mato Grosso no ano passado.
Lá, na área de transição entre os biomas Pantanal e Cerrado, vivem 112 famílias, cerca de 400 pessoas.
Estevão conta que na o fogo queimou a mata, as ervas medicinais, matou os animais, destruiu matérias primas que serviam de telhados para as casas, como as palhas de bacuri e levou muitos problemas de saúde com a fumaça.
Na ocasião, ele ligou para pedir ajuda ao WWF-Brasil, em nome da Associação Indígena Bororo Tugo Baigare. A partir dali um vínculo se formou, e a organização doou alimentos, mais de 80 ferramentas para a retomada dos roçados e lona para servir de telhado temporário às casas dos Bóe Bororo.
Os itens que chegaram aos Bororo fazem parte da ajuda humanitária de R$ 208 mil que o WWF-Brasil enviou ao Instituto Centro de Vida (ICV), entre dezembro de 2020 e março de 2021, para auxiliar comunidades atingidas pelo fogo.
Para que a iniciativa atingisse o seu objetivo e contemplasse as populações mais fragilizadas, o ICV se aliou ao SOS Filhas do Pantanal e do Cerrado, projeto que nasceu espontaneamente pela união de associações de mulheres quilombolas, indígenas e das comunidades tradicionais pantaneiras, com articulação do Centro Cultural Casa das Pretas, do Instituto de Mulheres Negras do Mato Grosso (Imune).
No total, 4 mil pessoas foram beneficiadas com a entrega de 900 cestas de alimentos e mais de 2 mil kits de higiene.
As primeiras comunidades atendidas com a distribuição de alimentos e água foram em Barão do Melgaço, um dos municípios mais atingidos pelas chamas, com 602 mil hectares queimados em 2020, segundo o projeto SOS Filhas do Pantanal e do Cerrado.
“Acompanhamos as queimadas há 20 anos. Mas, em 2020, elas começaram mais cedo e em locais onde não costumavam acontecer. No Pantanal houve um aumento de 905% de focos de calor a partir de junho, na comparação com o ano anterior”, diz Alice Thuault, diretora adjunta do ICV.
De acordo com ela, a combinação de práticas de fogo descontroladas e a seca forte no estado no ano passado foi a principal causa do cenário catastrófico.
O projeto
O SOS Filhas do Pantanal e do Cerrado teve início como um grupo de mulheres que queriam divulgar a cultura e a arte de seus povos. No entanto, com os incêndios que atingiram a todos da região, elas decidiram transformar uma live sobre arte, que já estava programada, em campanha solidária.
Paty Wolff, artista visual e uma das coordenadoras do Casa das Pretas, conta que as mulheres não conseguiam pensar para a demanda cultural, o assunto era o fogo. Muitas etnias indígenas estavam de luto e nem poderiam fazer alguns rituais para apresentar sua cultura. Aproveitaram a live para angariar fundos.
Deroní Mendes, coordenadora do Programa de Direitos Socioambientais do ICV e articuladora da instituição junto ao SOS Filhas do Pantanal e do Cerrado, conta que o fogo chegou para agravar ainda mais a situação das comunidades, que já se encontravam fragilizadas pela pandemia de Covid-19. Quando o fogo chegou, as plantações foram todas perdidas e eles já não tinham nem mais de onde tirar o sustento.
O ICV passou a receber as doações em dinheiro e em produtos, inclusive as enviadas pelo WWF-Brasil e, juntamente com a Casa das Pretas, a organizar o repasse para o SOS Filhas do Pantanal e do Cerrado, representado pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas de Mato Grosso (Conaq-MT), pela Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Mato Grosso (Fepoimt) e pela Rede de Comunidades Tradicionais Pantaneiras, que ficaram responsáveis pela distribuição.
Por causa dessa dificuldade, por exemplo, o WWF-Brasil destinou verba para a contratação de um auxiliar de logística indígena, do povo Bakairi, para realizar a entrega de mais de 80 equipamentos para os Bororos, como carrinhos de mão, foices, enxadas, plantadeiras e outros instrumentos para que a comunidade pudesse voltar a plantar.
Assim como os Bororo, grande parte da população da região do Pantanal e do Cerrado não estava preparada para fogo de tal magnitude. A ferramenta de monitoramento do ICV registrou mais de 26 mil focos no Pantanal e no Cerrado de Mato Grosso em 2020.
De janeiro a 27 de junho de 2021, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), foram registrados mais de 5.500 focos de calor na região. Para prevenir que uma situação similar a 2020 aconteça, o ICV dedicou-se a fazer um levantamento sobre a quantidade de brigadas de combate a incêndios florestais. Em todo o estado, há apenas 110 identificados até agora.
Alice, do ICV, ressalta que a principal diferença dos atuais períodos de seca é que a estação chuvosa tem sido menos volumosa, o que não permite que as regiões alagadas do Pantanal se recuperem completamente.
Estevão concorda e diz que muitas lagoas próximas à Terra Indígena estão secando. Por isso, vê a importância de articular seu povo para levantar uma grande discussão sobre a mudança climática. Esperançoso, ele, que é formado em sociologia, diz que a comunidade aprendeu com os desafios do ano passado e está pronta para o que chama de “reflorescimento social”.
G1 MT