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CARNE VERDE: Como reformar a atrasada pecuária amazônica

 

bevilaqua bom trabalhoUma novilha de quase 200 kg, resiste por dez minutos a entrar no corredor que conduz ao “tronco” de pesagem. Não mais que dez metros a separam da barulhenta armadilha de madeira e metal acoplada à balança.

Sacos de aniagem na ponta de varas fazem as vezes das bandeirolas, recomendadas nas boas práticas da pecuária para conduzir o animal sem irritá-lo, pois o estresse prejudica a qualidade da carne. Caprichosa as ignora e pula de lá para cá, decidida a não entrar no corredor. Quando finalmente entra, empaca de novo.

Ronildo Martins Carvalho, gerente da Fazenda Nelore Beviláqua em Alta Floresta (MT), troca a bandeirola pela haste de metal na ponta de um cabo elétrico e aplica choques na novilha. Minutos depois o mesmo recurso será empregado pelo motorista de caminhão para embarcar dezenas de animais.

Cada descarga deixa um hematoma na carne, que só se tornará visível na carcaça, após o abate. A marca de sangue acaba removida pelo frigorífico e resulta em perda de remuneração para o produtor. Mas na Beviláqua os peões ao menos tentam usar as bandeirolas, enquanto noutras fazendas impera a eletricidade.

O dentista Celso Crespim Beviláqua, 59, dono da área de 1.700 hectares (17 km²) e presidente do sindicato rural de Alta Floresta, não parece se preocupar com Caprichosa –uma entre 29 milhões de cabeças de gado bovino de Mato Grosso e 212 milhões no Brasil. Há mais de 3.500 reses na sua propriedade, e mil são vendidas para abate a cada ano, além de 90 touros de raça.

“Eu sou apaixonado é pela pecuária”, diz Beviláqua. Formado em Ponta Grossa (PR), o dentista fechou o consultório após três décadas tratando dentes em Alta Floresta. Quando chegou, nos anos 1980, levava o boticão e uma bacia de álcool para os garimpos Planeta e Satélite. Recebia em ouro para extrair a dor de homens como Chico Máquina e Marcha Lenta. “Em um dia pagava meu aluguel e a secretária e ainda mandava dinheiro para a mãe em Cascavel [PR].”

Naqueles tempos de fartura, acumulou capital e aplicou em terras. Hoje investe em tecnologia: “Precisamos melhorar a capacidade de aproveitar a terra”.

CAMPEÃO DE EMISSÕES

As bandeirolas são apenas a parte mais visível (não tanto para Caprichosa) da série de procedimentos que aguardam uma revolução cultural na pecuária de Mato Grosso, território do maior rebanho do Brasil. Por causa dele, o Estado é o quarto maior emissor de gases do efeito estufa no país em termos absolutos. Por habitante, é o líder isolado –produz 46,4 toneladas de CO₂ anuais per capita, seis vezes mais que a média nacional e no mesmo nível do campeão mundial, o Qatar.

A digestão do capim no rúmen de bois e vacas produz metano (CH4), um potente gás do efeito estufa (GEE). Cada grama de CH4 retém na atmosfera tanta radiação solar quanto mais de 20 g de gás carbônico (CO₂), o GEE mais conhecido. Além disso, a pecuária também contribui para emissões de CO₂ com desmatamento e de outros gases associados com o uso de fertilizantes e com resíduos animais.

De toda a área já desmatada na Amazônia Legal (764.225 km², uma Espanha e meia), dois terços foram convertidos em pasto. Somando a emissão de CO₂ da floresta derrubada para pecuária com o CH4 expelido pelo gado, a atividade responde por metade (49%) das emissões brasileiras. Poluição que é resultado direto de sua ineficiência –menos de cem reses por quilômetro quadrado.

Mato Grosso tem 192 mil km² de pastagens degradadas, uma área quase do tamanho do Paraná. Sua recuperação permitiria reduzir a contribuição desproporcional do Estado para a mudança climática. Além disso, com alimentação melhor, o gado cresce mais rápido e emite menos CH4 antes de ir para o matadouro.

Com esse objetivo, a ONG Instituto Centro de Vida (ICV), de Cuiabá, lançou em 2012 o programa Novo Campo. A Fazenda Beviláqua é uma das dez pioneiras nesse experimento com pecuária de baixo carbono (hoje são 33, com meta de chegar a 300 em 2017).

O dentista/pecuarista, seguindo orientação de consultores indicados pelo ICV –que paga metade do custo da assistência técnica–, separou 42 de seus 1.700 hectares para implantar a chamada unidade de referência tecnológica (URT), uma fazenda-modelo dentro da própria fazenda.

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