Alguns candidatos que realizaram o concurso da Segurança Pública e concorrem a cargos na Polícia Civil afirmaram terem sofrido lesões pelo corpo após realizarem o teste de aptidão física nos dias 15 e 16 deste mês. Eles alegam falta de organização e excesso de cobrança por parte dos fiscais durante as provas.
Ao g1, a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), responsável pela aplicação das provas teóricas e práticas, informou que iria verificar as denúncias dos candidatos junto à Gerência de Exames e Concursos (GEC), no entanto, não houve retorno até esta publicação.
De acordo com os participantes, a organização ainda não disponibilizou os vídeos das provas, o que os impedem de entrar com recurso administrativo e solicitar que o teste seja refeito.
No dia 19 deste mês, a Justiça mandou suspender o concurso para os cargos de escrivão e investigador da Polícia Civil e solicitou que os responsáveis pela organização forneçam as filmagens feitas durante o Teste de Aptidão Física (TAF). O prazo era de 48 horas, mas a UFMT recorreu e pediu um período maior para a disponibilização das imagens.
Quatro participantes do concurso, que não quiseram ter a identidade divulgada, contaram que foram reprovados na prova de abdominal durante o teste de aptidão física. Eles afirmaram que três dos oito fiscais que estavam na abdominal foram responsáveis por mais de 50% das eliminações da prova.
Um dos candidatos inscritos para o cargo de escrivão disse que seguiu todas as orientações do edital, mas que as exigências no momento da prova foram diferentes.
“O edital é a lei do concurso, porém ele tem que ser interpretado a beneficiar o candidato, e não como a banca e a fiscalização do TAF entender, jurisprudência já pacificada”, pontuou.
No documento disponibilizado antes do teste e em vídeos divulgados pelos canais oficiais da polícia mostrando os exercícios, os professores indicam um local adequado para efetuar as repetições do teste abdominal, protegendo todo o corpo e garantindo a segurança da pessoa.
“Para a surpresa de todos, no dia da prova foi utilizado um colchonete fino e pequeno, que não protegia as partes necessárias para as execuções seguras. Esse colchonete, para piorar a situação, não era fixo, o que fazia com que ao começar a execução, ele saía do lugar, dificultando ainda mais para os candidatos altos que precisavam de uma proteção maior ao corpo”, relatou.
Segundo o participante, ele fez 42 repetições em um minuto, mas o fiscal que o acompanhava contabilizou apenas 35. O necessário para aprovação era 38.
“Ao tentar entrar com recurso administrativo, foram solicitadas as imagens para comprovar se foi efetuado as 38 repetições corretamente. Entretanto, a banca se negou a disponibilizar e abriu prazo para recurso, sendo que o candidato teria somente a possibilidade de falar: ‘Fiz as repetições corretamente”, relatou.
Outro candidato relatou que teve uma lesão na cabeça ocasionada durante o exercício de abdominal. “Comecei a bater bem forte as mãos no chão, mas o colchonete começou a escorregar. Bati a cabeça muito forte no chão e acabei ficando atordoado por alguns segundos. No final, fui reprovado, porque a avaliadora disse que fiz 34, sendo que foram mais de 40”, contou.
Ele é oficial do Exército e afirmou que já tinha experiência com esse tipo de atividade, mas também acabou reprovado. “Em todos os testes que realizei no Exército sempre tirei nota máxima, que são bem superiores a essas exigidas na polícia. Não houve padronização avaliativa nesse exercício, basta olhar o índice de reprovação. É muito triste ver que o nosso sonho está sendo tratado dessa forma”, lamentou.
Uma mulher que também participou do concurso também afirmou ter sido reprovada no teste de abdominal remador. Para a categoria feminino era necessário efetuar 29 repetições em um minuto.
“Ele [fiscal] parou de contar no 14 e ficou repetindo o mesmo número, continuei fazendo o movimento e tentando melhorar, depois que percebi que não tinha nenhum movimento irregular, bati minhas mãos mais forte no solo para ver se era isso, aí ele começou a contar normal de novo”, contou.
Segundo ela, foram inclusas várias regras no momento do teste, que não estavam previstas nas orientações anteriores. “Já haviam divulgado um vídeo demonstrativo e nós candidatos treinamos de acordo com as orientações. A gente treina seguindo o que está no edital. Acontece que na hora da prova eles nos deixaram aterrorizados”, ressaltou.
A candidata disse que nas orientações feitas pelos organizadores, as atividades eram realizadas em piso emborrachado, mas, no dia da prova, os exercícios foram realizados em piso de cimento, o que contribuiu para as lesões. Outro problema enfrentado pelos candidatos é a falta de comunicação. Eles afirmaram que fazem questionamentos, mas nunca têm uma resposta concreta.
“O pessoal liga para saber quando o concurso será retomado e eles falam que depende dessa judicialização pois tem muita gente entrando com ação na Justiça. Ficam jogando a responsabilidade para quem está recorrendo judicialmente pelas irregularidades deles”, disse uma candidata.
Acesso às filmagens
Conforme uma ação proposta pela Defensoria Pública da União (DPU), vários candidatos que se submeteram ao teste desejam ter acesso à filmagem do exame, o que vem sendo negado pela Gerência de Exames e Concursos. A ação resultou na decisão que suspendeu o concurso temporariamente.
A organização do certame cita que as gravações serão utilizadas por ela própria e que o edital não prevê a disponibilização aos participantes. Na decisão, no entanto, o juiz diz que se a banca realizou a filmagem, não há motivo para negar o acesso aos candidatos.
“A negativa da banca examinadora não encontra amparo legal, muito menos constitucional. O acesso à filmagem do exame físico é a única forma de permitir a averiguação da inexistência de erros na análise da comissão, possibilitando ao candidato o direito de recorrer, ou não, de forma assertiva de eventual resultado negativo”, diz em trecho da decisão.
Ainda de acordo com a decisão, o concurso deve permanecer suspenso enquanto a disponibilização das gravações e a reabertura do prazo recursal não forem tomadas, considerando que haverá alteração no cronograma. Os organizadores também deverão reabrir o prazo para interposição de recurso em relação ao teste.
O concurso
As provas teóricas do concurso público das forças de segurança de Mato Grosso foram realizadas fevereiro, e o teste físico neste mês Ao todo, 66 mil pessoas estavam inscritas. O concurso, que foi prometido pelo estado desde 2016, foi realizado para formação de cadastro de reserva. Entretanto, o governo promete chamar 1.200 classificados ainda em 2022.
Os cargos de escrivão e investigador da Polícia Civil foram os mais procurados pelos “concurseiros”. Dos 66 mil inscritos, foram quase 34 mil somente na instituição.
Kessillen Lopes, G1 MT