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A PRIMAVERA, UM ANO DEPOIS

Vilson NeryHá exatamente um ano o Brasil experimentou a sua “primavera das manifestações”, com o povo indo às ruas em movimentos conhecidos como o “Manifesto dos 20 Centavos”, que se opunha ao reajuste das tarifas públicas de transporte coletivo.
A reação popular também foi tratada popularmente como “Manifestações de Junho”, “Jornadas de Junho” ou a “Primavera Brasileira”.
Sob todos os ângulos, foi o movimento coletivo difuso mais surpreendente da história nacional recente, porque não tinha líderes, as bandeiras ou reivindicações eram múltiplas e difusas, e os reclamantes vinham de todas as camadas sociais. Dado interessante: rejeitaram peremptoriamente a presença de partidos políticos e lideranças carcomidas em seu meio, antecipando a repulsa ao “modus operandi” dos políticos.
As manifestações populares de junho de 2013 se localizaram em todo o país, ainda que inicialmente tenham surgido para contestar os aumentos nas tarifas de transporte público (que não atinge municípios pequenos). Foram as maiores mobilizações no Brasil desde as manifestações pelo impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello em 1992.
A geração “cara pintada” foi substituída pela geração que “dá a cara a tapa”, sim porque houve um inimigo comum, em todos os atos populares realizados: a polícia, que deveria zelar pelo legítimo exercício do direito à manifestação reagiu com violência ao fenômeno, ameaçando estudantes e donas de casa em seu direito de reunião, o que resultou em uma série de vítimas, inclusive fatais.
Em Cuiabá, no início, o ato era restrito a poucos milhares de participantes, todavia ganharam grande apoio popular em meados de junho de 2013, talvez em decorrência da repressão policial contra os manifestantes, chegando a dezenas de milhares de pessoas nas avenidas Getulio Vargas e CPA, que marcharam até a Assembleia Legislativa do Estado, tido como um centro irradiador de notícias de corrupção e desmando.
Com medo, Assembleia Legislativa, Palácio Paiaguás, Tribunal de Contas e Tribunal de Justiça fecharam as portas e liberaram os servidores do trabalho, mostrando completa falta de sintonia com os anseios do “pagador das contas” (contribuinte/manifestante/eleitor).
Naquele período, ainda atordoado, o governo brasileiro reagiu anunciando várias medidas para tentar atender às reivindicações dos manifestantes, inclusive resultando no recente Decreto da Participação Social. Questionado pelo “status quo” e pela revista Veja, o Decreto 8.243/14, editado pela presidenta Dilma Rousseff, foi já alcunhado de “bolivariano” por alguns.
Mas se é criticado pela mal afamada revista Veja, deve ser bom para o povo, e se foi editado com inspiração em Simon Bolivar, um valente venezuelano que liderou a libertação da América Espanhola dos grilhões coloniais, é ainda mais merecedor de credibilidade.
E em Mato Grosso, qual foi a reação?
Bem, as operações policiais têm revelado as causas de grande parte do mau gerenciamento das coisas públicas, de modo que é possível entender por que faltam remédios nos hospitais e merenda nas escolas. Municípios que mal conseguem sustentar um pronto socorro, mas que constroem (ou planejam construir) obras faraônicas, para atender aos interesses dos empreiteiros.
Empresas de ônibus que se perpetuam no negócio graças à concessões ilegítimas, flagrantes trocas de favores com prefeitos e vereadores, cujas campanhas eleitorais são custeadas graças aos aumentos das tarifas (que saem do bolso do trabalhador).
Mais recentemente vêm à luz as informações de que, em Cuiabá os partidos políticos leiloam candidaturas, reduzem as opções (candidatos) aos eleitores, e inclusive tabelam os cargos. Para ser vice-governador o “pedágio” fica em torno de dez milhões de reais, o cargo de senador custa vinte milhões de reais, o que evidencia a distorção da democracia participativa, que se transmuda para o crime de quadrilha ou bando, ou delito de “lesa pátria”.
Mas o que fazer, se uma vaga ao tribunal de contas, que poderia inibir a balbúrdia (se fiscalizasse com isenção), custa quatro milhões de reais ao pretendente a “conselheiro”? Que conselhos poderia oferecer um agente corrupto?
Pelo visto, somente o povo nas ruas e o boicote organizado ao voto pode dar um rumo decente à classe política.

 

Antonio Cavalcante Filho e Vilson Nery são ativistas do MCCE (Movimento de Combate à Corrupção eleitoral) em Mato Grosso.

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