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PATÓPOLIS

MetralhasQuem teve o privilégio ler aquelas revistinhas em quadrinhos (gibis) em alguma fase da vida, deve se lembrar dos personagens infantis de Walt Disney que moravam numa cidade fictícia chamada Patópolis. Entre os ilustres moradores da urbe se destacavam o famoso Pato Donald, sua namorada Margarida e os sobrinhos Huguinho, Zezinho e Luizinho. Todos da família “Anatidae” (classificação científica), portanto patos.

Aqui no Brasil, quando quiseram emprestar ares de legalidade ao processo esdrúxulo das “pedaladas fiscais” contra a presidenta Dilma Roussef, entidades empresariais lideradas pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) criaram uma campanha publicitária que tinha a imagem de um “pato amarelo”, mantinham um portal na internet (http://www.naovoupagaropato.com.br/) e obtiveram o sucesso almejado: feriram a Democracia.

Nos dias atuais vemos anúncios de lojas fechando as portas por falta de clientes, imóveis comerciais postos à venda, pessoas pedindo esmola nos semáforos, e uma onda de desânimo que se espraia por todos os espaços sociais. O desemprego chega a 14 milhões de almas, e a leitura de economistas contemporâneos como Thomas Piketty (A Economia da Desigualdade, 2015, p. 49) é fundamental para entender a enrascada em que nos metemos. Piketty acredita que “se o modo de produção capitalista consiste apenas em juntar quantidades fixas de capital e trabalho e colocar ‘n’ trabalhadores numa máquina” […] “por que não suprimi-lo com a coletivização dos meios de produção?”. É uma opção a se pensar como saída deste “túnel sem saída”.

Acabei de identificar alguns “desiludidos do impeachment” iniciando uma nova campanha de propaganda para resgatar a simpatia da opinião pública, a chamando a protestar contra a criação de impostos, quando o governo golpista de Michel Temer e o consórcio que envolve a duplinha partidária DEM/PSDB perdoa dívidas tributárias de seu apoiador Neymar (R$ 200 milhões), rasga o débito do Banco Itaú (R$ 25 bilhões) no Carf e passa a borracha sobre contribuição devida pelos ruralistas (Funrural), mas quer cobrar tributos dos patos.

Isso tudo acontece ao mesmo tempo em que o governo temeroso retira direitos sociais e trabalhistas, avança contra as aposentadorias, toma R$ 10,00 de cada trabalhador que recebe salário mínimo e entrega as riquezas do país aos estrangeiros, a começar com as reservas do pré-sal. O aumento de imposto preocupa os “revoltados”, mas a supressão de direitos de trabalhadores, mulheres, quilombolas, indígenas e estudantes não mereceu a mesma repulsa.

Fui entender a campanha contra impostos, que tem site próprio (https://sobroupravoce.com.br/) e pude perceber a coincidente presença de alguns que vi na rebolante “dancinha do impeachment”. Entidades que apoiaram o golpe contra a Democracia, e que agora bradam: “sobrou para você”. Ora, cara-pálida, graças à irresponsabilidade carregada de discriminação ideológica, adotando tática de guerra para resolver uma questão que era da política, o país foi jogado para o abismo, e “sobrou” para todos, mesmo. Ainda que alguns sejam mais penalizados que outros, mas quem causou o Golpe não pode “tirar o corpo fora”. Cada um que assuma seus erros na medida de sua culpa.

Acho que muitos dos que se vestiram como patos amarelos (camiseta da CBF) o fizeram sob emoção, influenciados pelos impérios midiáticos, e a não-culpabilização destes possui fundamento em Klaus Roxin (Estudos de Direito Penal, 2008, p. 105) que, ao tratar do princípio da confiança diz: “pode-se confiar em que os outros se comportarão conforme ao direito, enquanto não existirem pontos de apoio concretos em sentido contrário”. Tudo bem, mas os “arrependidos” devem ter clareza do engodo, e saber que a campanha do impeachment foi patrocinada por sonegadores, tocada por políticos inescrupulosos, e o objetivo era entregar o país aos bandidos locais e ao imperialismo. Somos todos patos e sobrou para todos nós, mas a culpa é de alguns.

Ou não é?

A Rede Globo tenta por meio do tal Criança Esperança esconder uma realidade vergonhosa, buscando dinheiro no bolso das pessoas (dos patos) para sustentar projetos que teriam o compromisso de combater a pobreza e a miséria. Mas a empresa patrocinou o Golpe com o uso de suas equipes de comunicação, hipnotizando a população, e permitiu o desmonte da 6ª maior economia do mundo, abrindo alas para a recessão e o desemprego recorde, criando mais “clientes” para o “Criança [sem] Esperança”.

Já vão para os escaninhos da história os programas sociais do tipo Bolsa-Família, FIES e bolsas do Pró-Uni, o Sistema Único de Saúde (SUS), Farmácia Popular e SAMU. É caso de regressão civilizatória.

As tais pedaladas fiscais foram o maior engodo imposto à nação brasileira, deu-se crédito a um Tribunal de Contas, que tem competência apenas para dar parecer de contas do executivo. Mas foi ele que forneceu elementos para Eduardo Cunha e um grupo de deputados que dispensa comentários, movimentar a máquina contra a Democracia. No Senado o projeto foi tocado por pessoas como Aecio Neves e Romero Jucá, que também dispensam apresentações, e como resultado desta conjunção de vontades o Brasil foi tomado de assalto.

As pedaladas de Dilma foram o adiantamento de pagamentos do Pronaf, do Minha Casa Minha Vida, do Bolsa Família e de recursos para o agronegócio. Deu cassação.

Com Michel Temer no comando, a “pedalada” já está em torno de R$ 159 bilhões, podendo chegar a R$170 bilhões, e isso vai afetar a todos sim, a começar pelos mais pobres, atinge a classe média brasileira, suprime direitos e sonhos dos servidores públicos, e de todos os trabalhadores de um modo geral.

Os habitantes de Patópolis tiraram Dilma, porém se conformam com Temer, que recusa a pagar reajustes parcelados pelo governo passado e ajustados com as categorias, está ameaçando sobretaxar os aposentados, e atinge os servidores públicos civis e militares com uma (contra) reforma da previdência para atender ao capital financista internacional.

Patópolis precisa reagir e exigir a restauração da Democracia. O resto é enrolação!

Vilson Pedro Nery, advogado especialista em Direito Público.

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