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TJ aposenta juiz acusado de vender sentença em Mato Grosso

O Pleno do Tribunal de Justiça de Mato Grosso aplicou a pena de aposentadoria compulsória ao juiz Wendell Karielli Guedes Simplício, da 3ª Vara de Lucas do Rio Verde (354 km ao Norte de Cuiabá), sob a acusação de venda de sentenças.

A decisão foi proferida por 18 votos pela punição e 9 pela absolvição, na tarde de quinta-feira (17). O voto que culminou na decisão foi dado pelo desembargador Luiz Carlos da Costa.

Wendell Karielli respondia a Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD) por supostamente integrar um esquema de venda de sentenças nas comarcas de Vera e Feliz Natal, entre 2004 e 2007, e ter recebido cerca de R$ 539 mil de forma ilícita, por meio de 269 depósitos de pequeno valor.

De acordo com as acusações, a maior parte das condutas ilegais ocorria em ações possessórias, de usucapião, bem como em casos de recebimento de denúncia criminal

Com a decisão, o magistrado será excluído das grades da magistratura e receberá aposentadoria proporcional ao tempo de serviço.

O julgamento foi retomado após quatro adiamentos por pedidos de vistas dos desembargadores.

Votos de absolvição

A desembargadora Clarice Claudino foi uma das magistradas que emitiram voto durante o julgamento e acompanhou o relator, desembargador Rui Ramos, que pediu o arquivamento do PAD contra Karielli.

Ela explicou que os novos documentos trazidos pelo juiz investigado aos autos comprovariam que o dinheiro encontrado era fruto de uma parceria agropecuária com o produtor rural Divago Aguiar.

“Os depósitos tidos como ilícitos não guardam relação temporal com a época em que ele atuou nas comarcas de Vera e Feliz Natal, pois foram depositados no final de 2004, quando ele era juiz de Pontes e Lacerda”, afirmou.

Para a desembargadora, a origem do dinheiro ficou comprovada pelos ganhos obtidos com a parceria, pela devolução do valor emprestado a Divago Aguiar, pela certidão de crédito de benefícios que ele tinha a receber do Tribunal de Justiça e pelas notas fiscais do produtor rural, que demonstraram a compra e venda de gado.

Ela ainda acrescentou que não há qualquer prova entre o dinheiro encontrado nas contas do magistrado e as decisões tidas como negociadas.

Sendo assim, ela votou pela absolvição, sendo seguida pelos desembargadores Dirceu dos Santos, Pedro Sakamoto, Sebastião Barbosa, Cleuci Terezinha e Serly Marcondes.

Em sessão anterior, também já haviam votado por arquivar o PAD o relator do caso, desembargador Rui Ramos, e os desembargadores Carlos Alberto Alves da Rocha e Rondon Bassil.

Perri descontrói defesa

Já o desembargador Orlando Perri, que também havia pedido vistas, adiantou que os R$ 539 mil encontrados na conta do juiz não só não são frutos da parceria agropecuária, como a tal parceria sequer existe.

Em longo voto, Perri demonstrou as contradições entre os depoimentos do juiz Wendell Karielli e do produtor Divago Aguiar, que divergiam das provas obtidas.

Ele apontou que as notas fiscais trazidas pelo juiz no processo provam apenas o comércio de transporte de gado, mas não a existência de uma parceria.

Um dos pontos citados pelo desembargador é o fato de o juiz ter dito que emprestou R$ 100 mil a Divago Aguiar. Porém, o suposto empréstimo foi feito pouco depois de o juiz conhece-lo, sem qualquer documento ou mesmo repasse via transferência bancária.

“Mais inusitado ainda que, mal conhecendo seu parceiro, tenha passado tal valor sem o mínimo de precaução. Soa inusitado, se não surreal, ele ter passado esse dinheiro sem nenhuma garantia. O mínimo seria uma transferência bancaria, para segurança. Se essa é uma segurança de um homem médio comum, imagine de um magistrado. É de se questionar tamanha confiabilidade do magistrado no seu parceiro”, relatou.

Além disso, Perri constatou que os depoimentos não correspondem à verdade, uma vez que foi firmado um contrato de mútuo entre eles datado de agosto de 2004, quando Wendell Karielli era procurador da Fazenda Nacional, em Rondônia.

“Se eles disseram que se conheceram em Pontes e Lacerda, como explicar o contrato de mutuo de agosto de 2004, quando sequer ele havia tomado posse como juiz? Ou se tratavam de velhos conhecidos, ou se forjou um contrato de empréstimo para justificar os valores”, asseverou.

Transferências “não batem”

Outra incoerência encontrada por Perri foi a tese da defesa de que todo o dinheiro obtido pela parceria era passado por Divago Aguiar ao juiz, o que justificaria as centenas de depósitos de pequeno valor.

Contudo, Perri questionou como o pequeno produtor – que era quem tocava o negócio – poderia fazer as constantes negociações se passava todo o dinheiro ao magistrado.

“Se essa era a mecânica da parceria, como se dava a transferência de volta a Divago para se fazer novas aquisições, se eles estavam separados por mais de mil km de distancia? Só se fosse por transferências bancárias, que não se cogitou terem sido realizadas. Nessa ordem de ideias, é de se perguntar como o magistrado fez retornar os valores a Divago”, disse o desembargador.

Perri também encontrou contradições nos depoimentos em relação aos 79 depósitos feitos na conta do magistrado no Banco Bradesco, entre 2005 e 2007.

Do total de depósitos, apenas 1 foi feito em Pontes e Lacerda, sendo que 56 pagamentos foram depositados em caixa eletrônico do município de Vera, em 29 datas diferentes, na época em que o juiz lá atuava.

Em sua defesa, Wendell Karielli justificou que estes depósitos ocorreram em Vera porque Divago Aguiar viajava muito para fazer as negociações. Porém, o próprio produtor rural afirmou que a maior parte dos negócios ocorriam em sua fazenda, em Pontes e Lacerda.

“Se Divago Aguiar esteve na região norte, porque não efetuou os pagamentos diretamente ao juiz? Se esteve por lá tantas e tantas vezes? Entre junho de 2005 a julho de 2207, o parceiro do juiz supostamente esteve 29 vezes na comarca de Vera. E frequentando tanto a comarca, porque depositar em caixa eletrônica e não direto ao juiz? É esquisita a explicação para explicar os depósitos nessas cidades. Não há sentido de viajar tão longe de sua fazenda para negociar miudezas, cujo lucro seria consumido pelas viagens”, apontou Perri, que acompanhou o voto do desembargador Luiz Carlos da Costa pela aposentadoria compulsória.

Venda de sentenças

No voto que culminou na punição máxima, proferido em julho, o desembargador Luiz Carlos da Costa classificou a versão do magistrado como uma história “sem pé nem cabeça”.

Para Luiz Carlos, se o valor emprestado ao fosse oriundo do salário do juiz, haveria algum comprovante de que Wendell Karielli sacou a quantia para emprestar ao agricultor, uma vez que o Tribunal de Justiça  paga os salários por meio de depósito em conta.

“Teria esse dinheiro descido do céu, como se fosse uma espécie de maná? Porque não comprovou a origem do dinheiro, mesmo na remotíssima possibilidade de o mesmo estar guardado debaixo do colchão?”, criticou.

Na ocasião, o desembargador também recriminou uma decisão em que Wendell Karielli decretou a prisão de duas pessoas com base em denúncia de testemunhas anônimas, fato considerado pelo desembargador como ”simplesmente aterrador” e que “foge de qualquer padrão conhecido”.

“Decreto de prisão preventiva sem inquérito e sem informação. Com base na informação de alguém que ninguém sabe quem é […] De que se tratou entre o juiz e os supostos indiciados? Não se sabe. Entretanto, pode-se facilmente concluir que se utilizou da toga como instrumento de constrangimento de uma das partes em benefício da outra. Caso contrário, qual teria sido o motivo para tamanha afronta à Constituição?”, ressaltou.

Sobre Kariny Santos

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