Em denúncia ao R7, os ex-alunos de odontologia da Unip (Universidade Paulista) campus Marquês, afirmam estarem sofrendo um descaso ao descobrirem que o curso, amplamente divulgado pela faculdade, não é cadastrado no MEC (Ministério da Educação e Cultura). Sem esse cadastro, eles não conseguem obter o registro de dentista e são impedidos de trabalhar.
“Quando a nossa turma ficou sabendo que talvez existisse a possibilidade de a nossa formação não valer, depois de quatro anos e em período integral, foi desesperador”, relatou uma das ex-estudantes, que preferiu não se identificar.
Todo dentista formado precisa obter o registro do CRO (Conselho Regional de Odontologia de São Paulo). Sem esse cadastro, os alunos não são reconhecidos como profissionais, sendo impedidos de conseguir qualquer trabalho na área.
O grupo foi a primeira turma do curso de odontologia na unidade, localizada na avenida Marquês de São Vicente, na Água Branca, zona oeste de São Paulo. A instituição de ensino abriu o curso no local em 2019.
Depois de quatro anos, esse período se encerrou no fim de 2022, quando acreditaram que, já em 2023 poderiam começar a exercer a profissão fora da sala de aula e laboratório. Desde então, os ex-alunos começaram a preparar os documentos para pedir o registro no CRO.
‘Enrolados’ pela universidade
Ainda de acordo com a ex-aluna, logo no início do ano a turma entrou no site do CRO para dar entrada no pedido do registro, entretanto, perceberam que a Unip do campus Marquês não aparecia nas opções de faculdades.
Eles acionaram a coordenadora do curso, que informou que os documentos necessários haviam sido enviados e entregues ao órgão. O administrador geral do curso de odontologia em todos os campus da Unip foi procurado e, mesmo após tentar contato com diversos trabalhadores da instituição, do CRO e do MEC para tentar resolver o problema, os alunos seguem sem conseguir ter o registro.
“Todo mundo que a gente perguntava falava assim: ‘mas não é comigo’ ou ‘não sou eu que resolvo’ e ficavam jogando o problema para um e outro”, relatou a jovem.
Na sequência, o grupo acionou o ‘Reclame Aqui’. A empresa explicou para um dos alunos que CFO recebeu os documentos necessários no dia 3 de janeiro e, no dia 9 de fevereiro, foi solicitado à Unip mais papeladas, justamente porque aquela seria a primeira turma de odontologia do campus Marquês.
A Unip teria mandado o restante desses documentos apenas no dia 24 de fevereiro. O Reclama Aqui ainda informou que quem estava cuidando da situação era o setor jurídico do CFO e, por isso, não tinham mais detalhes.
A denúncia ao MEC e a descoberta
Sentindo-se “enrolados” pela instituição, a representante de turma decidiu fazer uma denúncia no MEC, foi quando ela descobriu e informou aos demais colegas que a universidade do campus Marquês não era cadastrada para o curso de odontologia no MEC. Com isso, tecnicamente, a faculdade não estaria apta a oferecer o curso.
Preocupados com a possibilidade de perder a formação, a turma decidiu consultar o advogado que confirmou o risco. “Ele disse que precisávamos entrar com um processo pedindo danos morais porque a faculdade fez propaganda enganosa, ofereceu um curso que não podia e ainda se beneficiou da mensalidade”, revelou a vítima.
Além disso, o profissional ainda informou para o grupo que a Unip Marquês estava tentando a validação no MEC desde 2017 para este curso, mas não conseguiram. Os alunos descobriram, ainda, que a Unip campus Alphaville também estava passando pelo mesmo processo.
O advogado Rafael Fiuza explicou que, se os alunos derem continuidade no processo e for comprovado que o curso oferecido pela instituição não tem o reconhecimento no MEC, “as vítimas devem ingressar com ação judicial requerendo danos materiais e morais, visto os transtornos causados na trajetória profissional dos estudantes”.
Oportunidades de emprego perdidas e o descaso
Uma outra aluna, também entrevistada pela reportagem, revelou a revolta que sentiu após perder duas oportunidades de emprego na área. “Na primeira, eu falei com o dono da clínica, tentei explicar toda a situação com a faculdade, mas ele não quis nem me ouvir, foi claro e rápido nas palavras: ‘Não aceito ninguém sem o CRO'”, contou.
A segunda oportunidade perdida, revelou a jovem, “estava mais certa”. A vaga era na clínica que atendia os pais dela há anos e a empresa precisava de um dentista imediatamente para preencher um dos horários.
“Eu fui ao consultório e o dentista foi mais atencioso comigo, pediu para eu tentar outras maneiras de conseguir, falar com o CFO, talvez tentar pegar um provisório. Eu fui atrás disso com o conselho, mas eles disseram que não tinha jeito e tinha que aguardar a validação”, disse. “Mesmo que ele quisesse me contratar naquele momento, era arriscado ter alguém trabalhando sem o registro para exercer a profissão”, completou.
Com um tom desesperado, uma outra vítima que era da mesma turma desabafou: “A faculdade sabia que a gente precisava disso para trabalhar. Passamos quatro anos de muita ansiedade, sonhamos com esse momento, nos dedicamos, e quando finalmente chegou a hora, descobrimos que talvez a nossa formação pode não valer. Foi um descaso total”.
O que diz a universidade
Em nota enviada ao R7, a Unip afirmou que foi credenciada pelo Mec em 1988. Com isso, “a instituição possui autonomia didático-científica criar os próprios cursos (Art. 53, da Lei de Diretrizes e Bases, LDB)”, escreveu.
Ainda segundo a universidade, em 2018 o campus Marquês recebeu o reconhecimento do curso de odontologia. A instituição ainda alega que todos os documentos necessários foram enviados para a “inclusão do curso de odontologia do campus marquês juntos ao CFO (Conselho Federal de Odontologia) e CRO/SP (Conselho Regional de Odontologia de São Paulo)”.
Questionada sobre os motivos que podem ter levado os alunos a não conseguirem o registro, apesar das alegações da documentação enviada, a universidade pontuou que está corretamente autorizada a dar o curso e que o procurador institucional da universidade está em contato com o MEC regularizar a situação.
A instituição declara que “tem rigorosamente cumprido seu papel como instituição de ensino há 35 anos”.
R7