Uma nova candidata a vacina contra a covid-19 está sendo desenvolvida por pesquisadores argentinos e brasileiros, que buscam um imunizante já com foco nas novas variantes do vírus, como a P.1, que está presente em ambos os países. O imunizante, feito em parceria com a biotech americana Vaxinz, teve resultados positivos em testes com camundongos, apontando a produção de anticorpos específicos e resposta do sistema imunológico contra o novo coronavírus. O objetivo é atender à demanda por imunizantes da América Latina, que ainda depende de insumos e opções vindos de outros continentes.
O projeto teve início com pesquisas de cientistas do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas (Conicet, na sigla em espanhol) na Fundação Instituto Leloir (FIL), em Buenos Aires, e utiliza a tecnologia de adenovírus não replicante, assim como as vacinas de Oxford/Astrazeneca, da Johnson & Johnson e a Sputnik V. No Brasil, a pesquisa conta com a participação de cientistas da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp). A instituição já tem experiência com imunizantes contra a covid-19, dado seu trabalho na coordenação dos estudos da vacina de Oxford no Brasil.
“Estamos tentando terminar com uma vacina que cubra as variantes predominantes na região, porque as variantes P.1 e da Grã-Bretanha já estão na Argentina, e que se possa aplicar com uma única dose ou em dose complementar, para quem já recebeu vacina, para proteger contra variantes que não são prevalentes na região”, explica o coordenador do projeto, Osvaldo Podhajcer, chefe do Laboratório de Terapia Molecular e Celular (LTMC) da FIL e pesquisador sênior do Conicet.
Julián Maggini, diretor médico da Vaxinz, diz que a meta é ter um imunizante potente e, preferencialmente, de dose única. “Para um Estado grande, um país, é dificil organizar a vacinação. Uma única dose é muito importante para os nossos países. Nossos países impactam no mundo e estamos vendo um aumento de casos que deveria preocupar.”
Segundo Podhajcer, a vacina, de segunda geração, utiliza um adenovírus modificado geneticamente que o torna mais potente e específico para o vírus e que mostrou ser capaz de manter os camundongos protegidos por, pelo menos, cinco meses. Ela se mostrou eficaz em 100% dos animais vacinados. O grupo que ele coordena também desenvolveu um sistema de pseudovírus que conseguiu demonstrar, em estudos in vitro, que o soro de animais imunizados bloqueia a entrada do novo coronavírus nas células.
A expectativa é de que os testes de fase 2 e 3 sejam realizados pela EPM/Unifesp no Hospital São Paulo, ligado à universidade. “Uma das grandes motivações foi montar tecnologia e capacidade de produção que atendesse às necessidades nossas, da América Latina, porque a gente está muito dependente não só de outros países, mas de outros continentes. Já fizemos um pedaço dessa parte pré-clínica, observando a neutralização viral, quando quer testar se ele (o imunizante) inibe o vírus ou não. A fase 1 não será feita no País, mas estamos acordados de ser o centro coordenador no Brasil nos estudos de fases 2 e fase 3, assim que tivermos as autorizações necessárias”, diz Manoel Girão, diretor da Escola Paulista de Medicina da Unifesp.
A meta é realizar os estudos clínicos ainda neste ano para, comprovando sua segurança e eficácia, atuar como mais uma frente de combate ao vírus. “É difícil estabelecer um prazo, mas imaginamos começar já no início do segundo semestre. Um dos principais ensinamentos que o vírus está trazendo é a forte percepção de que ou saímos todos juntos ou ninguém vai sair. Isso vai criando movimentos de solidariedade, porque o vírus vai continuar mutando e voltando a nos assolar. Não adianta vacinar toda a Europa e deixar a África, e também não vai ser uma vacina sozinha que vai resolver o problema. O vírus não está parado, não está estável, sofre mutações, tem de continuar com o movimento de desenvolvimento tecnológico.”
Adaptação para novas variantes
Uma das vantagens da tecnologia utilizada na vacina em estudo é a capacidade de poder ser adaptada de acordo com o surgimento de novas variantes, diz Juliana Maricato, professora do Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia da EPM/Unifesp.
“Essa nova tecnologia é a construção do vetor adenoviral, que se mostrou mais eficiente do que outras e é bastante flexível para incluir sequências de novas variantes em pouco espaço de tempo. Ela pode ainda representar uma alternativa para países como a Índia e África do Sul. No momento, estamos levando em conta essas variantes, com as relações internacionais; recebemos imigrantes e visitantes, então, é importante que a gente bloqueie novas variantes.”
Testes em laboratório já apontaram a capacidade da candidata a vacina de agir contra a variante P.1. “Amostras vieram para cá e testamos a capacidade de neutralizar perante os vírus vivos, naturais, que isolamos dos primeiros pacientes em 2020 e de janeiro 2021, já com a variante P.1. Vimos que esse soro foi capaz de neutralizar o vírus.”
Paula Felix – Estadão