O Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso (MPT-MT) conseguiu na última segunda-feira (02), por decisão do juiz André Araújo Molina, da Vara do Trabalho de Mirassol D’Oeste, liminar determinando que a unidade da JBS em São José dos Quatro Marcos suspenda a realização de horas extras em ambientes considerados insalubres, como é o caso dos setores de desossa e de corte.
O frigorífico, que emprega 1.078 trabalhadores, tem 10 dias para cumprir a determinação, sob pena de multa de R$ 500 mil por dia, independentemente do número de empregados encontrados em situação irregular. Segundo Molina, o prazo leva em consideração a necessidade da empresa de reorganizar sua linha de produção, de modo que nenhum funcionário extrapole a jornada normal de trabalho depois desse período.
A ação civil pública ajuizada pelo MPT tem caráter preventivo e se baseia em outra decisão judicial que reconheceu, em outubro do ano passado, após perícias judiciais, a condição insalubre nos setores de abate e de desossa dos frigoríficos da JBS em Araputanga, São José dos Quatro Marcos e Pontes e Lacerda, que, juntos, somam mais de 2,8 mil funcionários. Com a sentença, proferida em uma ação coletiva, as empresas foram obrigadas a pagar o adicional de insalubridade em grau máximo aos empregados que trabalham ou trabalharam nesses locais a partir 2012.
Alegou o MPT que, uma vez reconhecida a presença do agente insalubre, não se poderia mais exigir dos trabalhadores a realização de horas extras, já que, nessa condição, elas seriam consideradas inconstitucionais e ilegais, em razão dos enormes prejuízos sociais e à saúde.
O procurador Leomar Daroncho, que conduz a ação, conta que o fundamento biológico para tal proibição está no fato do trabalho insalubre provocar reações mais intensas do organismo para este manter-se equilibrado, o que, naturalmente, acarreta maior desgaste e propensão à fadiga, exigindo um período mais extenso para descanso e recuperação. Todavia, quando o processo prolongado de fadiga chega à fase crônica, não há repouso que consiga reverter o quadro.
“Esse quadro de fadiga patológica compromete o sistema imunológico, deixando o trabalhador muito mais vulnerável a doenças, além de produzir insatisfação com o serviço, absenteísmo, baixa produtividade e maior número de acidentes do trabalho. Além disso, ao empregado que passa todo o dia trabalhando resta pouco espaço para descanso, nenhuma possibilidade de lazer e prejuízo para o convívio familiar e a possibilidade de estabelecer relações sociais harmoniosas. A continuidade desse quadro leva à insatisfação recorrente, perda da autoestima, apatia, depressão e ao aparecimento de doenças”, explica Daroncho.
Incontáveis horas
A maioria dos trabalhadores que realizam atividades repetitivas de corte executam, em média, 40 a 60 movimentos por minuto, ou seja, uma tarefa extremamente extenuante. No caso da JBS, o procurador Leomar Daroncho relata casos assustadores de trabalhadores submetidos à exposição prolongada dos agentes insalubres devido às horas extras rotineiras. Um dos funcionários ouvidos durante a investigação, por exemplo, revelou que fez, em fevereiro de 2014, mais de 108 horas extras. Isso significa dizer que ele trabalhou, durante um mês, quatro horas a mais por dia do que o tempo legalmente permitido em ambientes com essa condição.
“Como sabemos, a jornada de trabalho é um dos direitos mais caros à sociedade laboral e remonta a uma luta histórica dos trabalhadores. A conquista quanto à limitação da jornada, sem a menor dúvida, é um dos pilares que erige e afirma a dignidade humana nas relações de trabalho. Tanto isso é verdade que o Direito Penal equipara a jornada exaustiva ao labor degradante, ao trabalho análogo à de escravo”, ressalta.
Danos morais
Em razão da gravidade da situação encontrada no frigorífico de São José dos Quatro Marcos, a 328 km de Cuiabá, o MPT pleiteia uma indenização por danos morais coletivos de R$ 10 milhões. De acordo com o procurador do Trabalho, o valor equivale a menos do que 0,001% da receita líquida anual consolidada do grupo JBS em 2011. Houve, ainda, a notícias das doações milionárias feitas pela JBS à campanha eleitoral de 2014. A empresa teria distribuído mais de R$ 366 milhões a partidos e candidatos.
Segundo Daroncho, é necessário que a indenização tenha caráter punitivo e exemplar, do contrário não terá peso suficiente para desestimular o verdadeiro enriquecimento sem causa, que é aquele obtido mediante economias feitas às custas da vida humana. “O objetivo do lucro não pode ser alcançado com o atropelo desse regramento mínimo de proteção à pessoa do trabalhador, sem que se lhe dê garantia de condições mínimas de saúde e segurança, propiciando um meio ambiente de trabalho saudável e com um mínimo de nocividade possível”, finaliza.