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UHTP: Rotor já está na estrada e desloca-se a uma velocidade máxima de 15 km/h

Texto: Patrick Cruz

Devagar se vai ao longe, nem que seja de carreta e depois de navio e então de balsa, com uma carga que possui massa equivalente a de 60 elefantes adultos. Desde janeiro, um rotor de 267 t e quase 9 m de diâmetro faz um percurso que passa por metade da América do Sul, para chegar ao canteiro de obras da Hidrelétrica Teles Pires, no rio de mesmo nome, entre os municípios de Paranaíta (MT) e Jacareacanga (PA). É um exemplo eloquente dos desafios enfrentados pelas grandes obras de infraestrutura no Brasil.

Em janeiro, o rotor saiu da fábrica da Alstom em Taubaté (SP), para cumprir uma jornada que deve se estender por quatro meses. Para chegar ao Porto de Santos, local de sua primeira troca de meio de transporte, a peça cumpriu uma rotina extremamente delicada. A aparente monotonia é justificada pela velocidade do deslocamento: a uma velocidade máxima de 15 km/h, a carreta (de 32 eixos, 256 pneus, comprimento total de 94,7 m e altura de 5,5 m) que levava o equipamento só podia viajar à noite. Mas a impressão de enfado, se existe, é enganosa: a tensão está presente em cada curva do trajeto, calculada com antecedência para permitir que a carreta passe, por todas elas, com segurança. A inclinação da pista também é um fator avaliado pelos técnicos que cuidam da logística do transporte da peça. Trechos de descida muito íngreme foram descartados do trajeto.

Essa preocupação com os detalhes é crucial. Logo na saída de Taubaté, uma obra de recapeamento da pista deixou o trecho novo do asfalto com 5 cm de altura a mais que a parte velha da estrada. A carreta com o rotor precisou esperar por quase duas semanas para que uma nova rota fosse escolhida para o deslocamento. Mais adiante, um novo imprevisto: um acidente com um caminhão no trecho entre Taubaté e Santos limitou por alguns dias o tráfego de veículos com mais de 150 t – e a carreta precisou, mais uma vez, esperar até poder voltar a rodar.

“A operação é de alta complexidade, não só por causa da massa da peça, mas também pela enorme distância que ela vai percorrer”, diz o engenheiro Reinaldo Lopes. Como responsável pela interface na Hidrelétrica Teles Pires, ele acompanha, atento às minúcias, a operação para fazer o rotor chegar à obra.

Uma saga logística

O trecho a ser percorrido é, de fato, uma saga logística. De Taubaté a Santos são mais de 200 km. No porto, aonde chegou no início de fevereiro, o rotor embarcou em um navio, para seguir pelo mar até o porto de Montevidéu. Essa viagem adicionou mais de 1,5 mil km ao percurso. Um novo transbordo ocorreria na capital uruguaia, quando o rotor embarcaria em uma balsa para percorrer mais de 2,5 mil km da Hidrovia Paraguai-Paraná até Cáceres, município de Mato Grosso que faz fronteira com a Bolívia. De lá, o rotor ainda precisaria viajar por 1,1 mil km até o canteiro de obras da hidrelétrica.

Mas por que o equipamento precisou seguir na direção sul, até o Uruguai, se Teles Pires está a noroeste de Taubaté, local do início da jornada? A resposta é a própria síntese dos atuais desafios logísticos do Brasil: não havia como transportar o rotor por terra, da fábrica até o canteiro. No início do planejamento da operação, a ideia era fazer a peça viajar apenas por rodovia.

“Depois das análises, percebemos que o transporte 100% terrestre seria ainda mais complexo que se fizéssemos vários transbordos”, diz o engenheiro Reinaldo Lopes. As dificuldades detectadas no planejamento inicial incluíam, por exemplo, a necessidade de reformar pontes ao longo do percurso – muitas delas não teriam a dimensão adequada para dar passagem à carreta. A viagem, por rodovia, teria 2,5 mil km. Com os diferentes modais envolvidos (terrestre, marítimo e fluvial), passou a ser um percurso de mais de 5 mil km.

A operação será repetida

A função do rotor é transformar a força que escoa pela hidrelétrica em energia mecânica. Essa energia mecânica é transmitida a outra peça, o eixo da turbina, que fará girar um segundo rotor, o do gerador, produzindo energia elétrica. A Hidrelétrica Teles Pires terá cinco rotores da turbina. Isso significa que a saga do transporte da peça de 288 t não será feita apenas uma, mas cinco vezes até a conclusão da obra. Os cinco rotores da turbina chegarão à hidrelétrica com intervalos de dois meses entre um e outro.

As equipes trabalham de maneira escalonada, tanto no transporte quanto na preparação da hidrelétrica, para o recebimento dos rotores. Quando a carreta entrega a peça no Porto de Santos, por exemplo, ela completa uma etapa do processo – e retorna para começar tudo de novo com a peça seguinte. Enquanto isso, no Rio Teles Pires, os operários preparam paulatinamente os espaços para o encaixe das peças que chegarão nos meses seguintes.

E encaixe é mesmo a palavra a ser usada. Ao chegar ao canteiro de obras, o rotor passa por limpeza e outros preparativos, que duram 10 dias. Ao fim desse trabalho, uma ponte rolante faz a peça descer até seu destino final, onde é literalmente encaixada no mecanismo. “É um trabalho delicado, feito de maneira cuidadosa”, diz Ricardo Tavares, Responsável pela Montagem Eletromecânica. O lançamento da peça dura duas horas e meia. Oito operários ficam em torno do rotor para acompanhar se a peça está seguindo o curso correto. A peça é gigantesca, mas a precisão é cirúrgica: há uma folga de apenas 3,7 mm entre o rotor e a peça em que ele será encaixado.

Infográfico: Por terra, mar e rio

Na construção da hidrelétrica, trabalham 6 mil profissionais. A Usina Teles Pires é a maior do Complexo Hidrelétrico Teles Pires, que contará com três usinas. A primeira unidade de geração da hidrelétrica começará a funcionar em 2015, e a capacidade instalada da hidrelétrica será de 1.820 MW,  o suficiente para suprir a necessidade de energia de mais de 5 milhões de pessoas. Os números da obra e da hidrelétrica são superlativos, mas a operação de transporte do rotor, que parece mover meio mundo, surpreendentemente mobiliza poucas pessoas. Na fase de transporte, a despeito dos mais de 5 mil km a serem percorridos, apenas 15 pessoas trabalham nas diversas etapas da operação. Depois, já no canteiro de obras, preparativos e encaixe são feitos por 15 trabalhadores. É o toque minimalista de uma usina – e uma operação logística – de enormes proporções.

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